sábado, 1 de fevereiro de 2014

O José Luís Peixoto

Uma das mais-valias da revista "Volta ao Mundo", é a crónica mensal - Passageiro Frequente - escrita pelo José Luís Peixoto. Faz-me verdadeiramente viajar. 
À uns tempos escreveu sobre um tema que já por diversas vezes falei entre amigos. A esfericidade entre o bom que é regressar a casa depois de uma viagem e, a saudade inevitável do sítio de onde se vai partir.

"Saudades de onde ainda se está

Quando corre tudo bem, há uma pequena dor. É como um dedo leve que toca o peito, um indicador esticado a empurrar.
Todos os que não são nómadas têm uma casa para onde voltar. Esse é o lugar que, por vontade ou por acaso, calhou pertencer-lhes. O bico do compasso assenta sobre esse lugar e estende-se a partir daí. Esse é o centro e o epicentro. No fim de cada viagem, é saudável querer regressar a casa. Aquilo que se conseguiu construir, e em grande medida aquilo que se é, está em boas condições. Essa vontade é sinal de que se tem uma boa relação consigo próprio. Salvaguardando todas as excepções, quando não se quer voltar é porque aquilo que se deixou estava a fugir do controlo ou estava já totalmente descontrolado e fora de rota, é porque a vida que se levava estava bastante longe daquela que se sonhava. Por isso, é agradável quando se sente que a hora de regressar é justa, quando se diz a quem vai sentado ao nosso lado no avião: foi bom, mas agora sabe bem voltar a casa. Há uma sensação de fecho e de harmonia. Fizemos parte de algo que começou, que teve o seu desenvolvimento e que chegou ao fim. Mas as melhores viagens, as que correm mesmo bem, as mais memoráveis, são aquelas que criam uma pequena dor. Quando começa a aproximar-se o momento de fazer a mala, quando a margem de tempo que nos sucede e que somos capazes de antecipar começa a sobrepor-se ao caminho de regresso e à chegada a casa, há uma sensação de que se vai sentir falta daqueles dias e daquele lugar. Então, mais ou menos de repente, percebe-se que aquele tempo nunca mais se repetirá. Pode até haver a oportunidade de voltar a viajar para esse mesmo destino, pode até ter-se à espera as mesmas pessoas, mas não poderá ser igual porque o tempo e as circunstâncias nunca se repetem. 
Essa pequena dor, no entanto, não é amarga na sua raiz. Com facilidade, é possível aprender a apreciá-la. De certa forma, essa dor é a garganta de que somos humanos, a nossa condição exige a transitoriedade e a irreversibilidade, palavras longas, características que, por sorte ou por defeito, não temos sempre presentes na consciência de nós próprios. Ainda assim, não lhes podemos fugir porque não podemos deixar de ser. Com os anos, quanto mais se viaja, aprende-se a valorizar essa dor ligeira que se sente no momento em que a hora de regressar está marcada e se tem a sensação de que se ficava mais alguns dias, que acabou demasiado rápido. Muito pior é quando se fica contente por ter terminado, quando se quer voltar a casa o mais depressa possível. Nesse caso, viveu-se pouco ou viveu-se mal, perdeu-se tempo, fez-se um caminho longo apenas para se perceber que mais valia não ter saído de casa. Esse é o pior cenário, mas igualmente possível porque viajar é um jogo, um risco. Por isso, deve sentir-se gratidão quando corre bem, mesmo que haja uma pequena dor, como um peso, como um ligeiro aperto. É em busca dessa dor que viajamos sempre."



                                                                                                                 José Luís Peixoto 

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